Adiar o bom para buscar o ótimo. Se existem “álibis perfeitos” para justificar a procrastinação, talvez este seja um deles. É fácil adiarmos o ‘bom’ em prol do ‘ótimo’ ou do ‘melhor’, usando a desculpa ideal: a explicação para nosso cérebro que o adiamento é a “melhor coisa a fazer”. Quantas vezes adiamos tarefas desafiadoras ou decisões difíceis, utilizando um raciocínio lógico construído apenas para trazer alívio ao desconforto causado pelo adiamento? Estes raciocínios são perigosos e podem servir de armadilha para alimentar o hábito da procrastinação. Um raciocínio que busca apenas encontrar argumentos para defender aquilo que já decidimos (ou acreditamos) pode afetar negativamente nossa capacidade de realização.

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Uma conversa desafiadora com uma pessoa no trabalho é, por definição, uma tarefa desconfortável. A sensação de incerteza que antecede conversas assim pode levar nosso cérebro para o modo funcional de afastamento. O cérebro passa a interpretar esta situação como uma ameaça. Ao fazer isto, tendemos a adiar indefinidamente a tarefa. Mas a sensação amarga de frustração que surge horas depois do alívio provocado pelo adiamento da conversa precisa de uma explicação. Nossos diálogos internos passam então a desenhar uma justificativa para isto. É neste momento que começamos a construir pensamentos como: “não era a hora certa de abordar este assunto com ele(a)” ou “vou esperar o momento certo” ou ainda “vou levantar mais informações para me preparar adequadamente”.

Muitos livros e textos na internet (entre eles vários neste blog) trazem indicações ou dicas sobre o “como”. É muito comum encontrarmos textos dedicados a assuntos com este teor. Alguns exemplos: “Como ampliar a autoconfiança”, “Como desenvolver a capacidade de persuasão”, “Como equilibrar vida pessoal e profissional” e finalmente “Como parar de procrastinar”. Não há nada de errado com isto. Textos assim trazem uma abordagem direta, com o objetivo de apresentar diretrizes ou princípios que nos ajudam a enfrentar um desafio específico. Conteúdos assim são úteis. Entretanto, este texto não se propõe a fazer isto. Quero apresentar uma perspectiva diferente sobre o ato de procrastinar. Não pretendo apresentar soluções, dicas ou recomendações para ajudá-lo a parar de procrastinar. Por outro lado, gostaria de questionar os mecanismos que podem nos levar a procrastinar e aprofundar na reflexão sobre um dos principais sentimentos que alimenta este comportamento: o medo.

O medo é uma emoção legítima e pura. Ele é extremamente útil para nossa sobrevivência. Entender como ele se manifesta, acolher sua presença e descobrir formas de conviver com ele pode ser muito útil para diminuir a procrastinação. Segundo Daniel Coleman, Inteligência Emocional é a “capacidade de identificar os nossos próprios sentimentos e os dos outros, de nos motivarmos e de gerirmos bem as emoções dentro de nós e nos nossos relacionamentos”. Há outras definições, porém, creio que é inegável a ideia de que aprimorar a capacidade de lidar com as emoções é útil para ampliar nossa capacidade de realização. Neste aspecto, entender as origens e a essência do medo que nos impede de ir adiante, levando-nos a procrastinar, é fundamental para assimilar o processo que desencadeia esta espiral. E para compreender esta mecânica, precisamos aprofundar nosso autoconhecimento. A emoção é legítima, mas o comportamento pode ser uma escolha. E a habilidade de conceber o comportamento como escolha, libertando-o do sequestro da emoção pode (e deve) ser desenvolvida. Na prática, iniciar o desenvolvimento desta habilidade seria o primeiro passo para evitar a procrastinação.

Parece simples, mas não é. O fato é que existem diversas “receitas de bolo” para evitar a procrastinação. Há hoje vários guias do tipo ‘passo-a-passo’ para vencer este obstáculo que impede grande parte das nossas realizações. Porém, poucas delas atacam este aspecto. Talvez porque este aspecto seja complexo e difícil de se encaixar em um modelo. Entendo que atacar a procrastinação por meio do estudo das emoções que a alimenta é um processo longo, e difícil de ser conduzido sozinho. Creio que este processo não é isolado. Ele faz parte de algo muito maior que passa por autoconhecimento e autodesenvolvimento. Um processo profundo e vigoroso que poderá trazer vários outros benefícios como:

  • Desenvolvimento de carreira;
  • Desenvolvimento organizacional;
  • Gerenciamento e treinamento de liderança;
  • Construção de equipes;
  • Melhoria nas relações interpessoais;
  • Melhoria na comunicação;
  • Resolução de conflitos.

Portanto, atacar os efeitos da procrastinação pode ser muito importante para vencer circunstâncias específicas da nossa vida pessoal e profissional. Contudo, decidir vencer a procrastinação como quem decide enfrentar uma batalha de uma guerra muito maior, pode ser extremamente benéfico. Uma guerra maior contra a letargia de creditar nosso baixo rendimento a culpas, crenças, hábitos e comportamentos imutáveis. Uma guerra contra a mente fixa, que parte do princípio que pouco podemos mudar ao longo da vida: a ‘Síndrome da Gabriela’.

A habilidade de conceber o comportamento como escolha, libertando-o do sequestro da emoção pode (e deve) ser desenvolvida.

Uma das melhores formas de vencer a procrastinação é entender os gatilhos que disparam o medo que a alimenta. E este pode ser o primeiro passo para uma jornada de autoconhecimento que trará inúmeros outros benefícios para o equilíbrio de nossas vidas.